Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 4 de junho de 2020, assinado por MARCUS VINÍCIUS B. MACHADO, advogado e economista
Além de seus notáveis feitos na área empresarial, John Rockefeller deixou valiosas reflexões sobre sua visão de mundo. Uma das célebres frases do primeiro cidadão americano a ter um patrimônio superior a um bilhão de dólares, considerado por muitos como o homem mais rico da história, sintetizava seu pensamento no período de crises. Dizia o empresário: “sempre procurei transformar desastres em oportunidades”.
Se analisarmos friamente os dados econômicos atuais e as projeções econômicas para os próximos meses e anos, fica difícil ser otimista neste cenário catastrófico. Todavia, tentando enxergar a luz no fim do túnel, é importante contextualizar que as projeções de retração do PIB, embora permaneçam significativas, trazem indicativos de que as previsões mais pessimistas não se confirmarão.
De toda forma, parece-nos importante destacar que mesmo o cenário de escassez de recursos guarda oportunidades aos profissionais que se disponham a trabalhar com empresas insolventes ou em vias de entrar na insolvência. É fato mensurado em levantamento feito pela Boa Vista SCPC que o número de empresas com falência decretada subiu 71,3% em junho de 2020 na comparação com o mesmo mês de 2019.
Sabe-se que a maioria absoluta dos casos de insolvência empresarial, principalmente neste momento, estão verdadeiramente vinculados ao insucesso dos negócios em um ambiente socioeconômico hostil para atividades empresariais. Apesar disso, são os casos de fraude que chamam à atenção da mídia e das pessoas, levando-nos à crença geral – e absolutamente equivocada - de que o empresário insolvente é necessariamente um fraudador. Isso porque todos conseguem rememorar, bem como já estiveram ou estão defronte de um caso pontual de insolvência empresarial que tenha se tornado um negócio “pouco republicano”.
No entanto, esta má compreensão afasta não apenas os legítimos casos de insucesso empresarial de um ambiente de encerramento formal dos negócios por meio da autofalência, como também parte dos profissionais da contabilidade, da economia e do direito. E o pior, o desinteresse pela área acaba resultando na perda de boas oportunidades para prestar um serviço de qualidade.
Assim, os contabilistas perdem as oportunidades para atuar como verdadeiros estrategistas que auxiliem o empresário na tomada de decisões financeiras e tributárias mais técnicas e assertivas. Perdem-se, ainda, oportunidades de mercado vinculadas a atuação na seara da administração judicial de empresas em dificuldade financeira ou na elaboração de laudos econômico-financeiro fidedignos, que possibilitem um ambiente mais transparente para que as negociações ocorram.
Pelo lado dos credores, ficam esquecidas as oportunidades aos contabilistas para atuarem no auxílio a realização de uma análise técnica dos laudos econômico-financeiros que acompanham os Planos de Recuperação Judicial e Extrajudicial.
E se ao tempo que a atividade empresarial é dificultada em razão dos efeitos da pandemia, é importante recordar que a redução na taxa básica de juros a mínimas históricas no país possibilita que o contabilista enxergue e auxilie o empresário a se atentar para o fato de que determinadas linhas de crédito podem ser a verdadeira salvação do negócio. Em estruturas mais simples de financiamento próprio, é possível ainda que o contador exerça o papel de agente fiduciária na emissão de debêntures com emissão privada.
O governo federal já compreendeu a importância microeconômica de estabelecer um ordenamento jurídico mais efetivo na seara falimentar, à medida em que o Ministro da Economia definiu como uma das 10 (dez) prioridades legislativas para o ano de 2020 a reforma da lei de insolvências. Como objetivos primordiais dessa novidade normativa, tem-se o fomento a obtenção de créditos novos durante a Recuperação Judicial ou Extrajudicial, a melhoria do instituto da falência e o enfoque na especialização dos juízes responsáveis pelos processos.
Cabe agora a todos os profissionais, isentos das visões históricas deturpadas e imbuídos da visão de Rockefeller, atentarem para as oportunidades que este segmento enorme reserva a todos, possibilitando que façam parte de um sistema microeconômico que efetivamente possibilite o início de melhores tempos para a nossa sociedade e nossa economia.
MARCUS VINÍCIUS B. MACHADO. Advogado e Economista. Legal Law Master em direito corporativo pelo IBMEC-Estação. Pós graduado em Recuperação Judicial e Falência e em compliance e gestão de riscos. Cursando pós graduação em direito societário avançado. Sócio fundador do INSTITUTO DE DIREITO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (IDRE). Membro da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB-PR. Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Sócio fundador da TERÊNCIO FILHO, MENEZES & MACHADO SOCIEDADE DE ADVOGADOS. contato@tfm.adv.br.